sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Uma segunda-feira qualquer em 1994.

Era uma daquelas manhãs de março em que o verão parecia que nunca mais iria terminar. Saltei do ônibus no Paraíso e desci a Rua Abílio Soares temeroso, uma mochila com algumas camisetas, cuecas e livros era o que eu levava como companhia. Estávamos em uma época em que os celulares, a Internet e os Ipads ainda não eram itens de primeira necessidade, a comunicação  era mais lenta,  porém mais humana.Era o verão de nossa desesperança.
    Ao me aproximar do número 1130 da referida via senti um clima de tensão no ar, sargentos berravam no meio da rua para que os conscritos andassem rápido, um desses graduados era o Sargento Juliandro (dizem as más línguas que alguns gorilas de Sumatra são mais articulados   do  que ele).  E finalmente entrei naquela edificação que seria meu inferno particular pelos próximos nove meses.
    Como foram difíceis aqueles primeiros momentos, a semana inicial do meu pelotão se deu em regime de internato, fui lotado no Pelotão de Segurança, logo eu, um nerd que na ocasião não conhecia patavinas de artes marciais, somente depois de dar baixa fui me interessar pelo assunto, treinei boxe no CMTC Clube, Jiu-Jítsu no Lótus Clube de Santana (cheguei a faixa roxa) e Krav-Magá com o mestre israelense Avigdor Zalmon. Eu era a mascote intelectual, que falava inglês, daquela turma de cascas-grossas, o chamado PELSEG era composto por lutadores, até mesmo o irmão Pelotão de Investigações Criminais-PIC (formado por pessoas um pouco mais esclarecidas, desenhistas, fotógrafos, datilógrafos) considerava o pessoal do PELSEG um bando de selvagens, mas foi no Pelotão de Segurança que conheci indivíduos que fugiam totalmente dos estereótipos, tinha lá o Santos, um lutador de Chute-Boxe profissional, que chorava liricamente em serviços intermináveis pensando na namorada e na família. Outro cara contraditório em termos era o Sioufi, um ex-skinhead  com a   alma gentil de uma cambaxirra.
E tivemos que aturar gente do naipe de um certo cabo, um gordote ressentido que  queria rasgar todo mundo,mas no fundo  tinha uma certa meiguice, tinha lá o Tenente Martuscelli que posava  de  Rambo mas era somente um moleque seis anos  mais velho que  nós.Nos  deparamos  também com caras maravilhosos como  os sargentos Amorin e Jary que eram verdadeiros amigos.
Pois bem, olhando hoje foi um tempo difícil, mas mesmo  os piores sargentos,cabos e  oficiais parecem serem legais  de certa forma, foi um tempo em que sofremos   muito, mas   na  nossa  memória esse  sofrimento teve  um    certo  sabor de    alegria.Talvez tudo isso se deu  por   um só   motivo:éramos jovens.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Nossos heróis...

Rever Indiana Jones na TV é  realmente incomparável. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é um filme do arqueólogo com todos os ingredientes daquelas tardes em que nos embrenhavamos em salas escuras, tudo o que vimos nos outros Jones esta lá, desde o logotipo da Paramount que se transforma em uma imagem, passando pelos seres rastejantes e peçonhentos ( a sequência das formigas selvagens é antológica), pelas locações exóticas e improváveis, as catacumbas cheias de passagens secretas, os vilões caricatíssimos e a ação desenfreada. Assistir a Caveira de Cristal é como reler um velho gibi, tudo recauchutado, tudo nos remetendo a uma sala de cinema segura onde as surpresas são controladas, os sustos são surpreendentemente previsíveis e o gosto por rever o passado é insuperável. Nos sentimos como crianças que assistem inúmeras vezes o mesmo desenho em busca de conforto, em busca de nostalgia e é exatamente a nostalgia que transborda de  Indiana, o útimo filme ambientado na década de cinquenta remete mais aos filmes B de science fiction do que aos seriados da década de quarenta que seus três antecessores homenageavam, a vilã de Cate Blanchett é uma espécie de Rosa Klebb, a agente soviética inimiga de James Bond em Moscou Contra 007, repaginada, e  é claro bem mais sexy. Vale a pena citar uma cena emblemática em que nossos heróis afundam num poço de areia movediça trash, daquelas em que os personagens emergem com as roupas secas, nada mais Ed Wood.
Triste e melancólico mesmo são as ausências de Denholm Elliot (morto em 1992)e Sean Connery, ambas justificadas e homenageadas porém insubstituíveis. O final, deixa o campo aberto para mais algumas sequências com alguns novos elementos.Torçamos para que Spielberg e Lucas façam uma segunda trilogia de Indiana Jones, assim como fizeram com Star Wars.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Vida Marinha de Steve Zissou

Quem olha assim não da nada,porém o filme de Wes Anderson é uma lição de tudo o que procuramos numa pelicula, existe ali humor,fantasia,atuação,humanismo e emoção em doses exatas que nunca superam os limites do exagero,do bom senso e da estética. Steve Zissou (Bill Murray excelente as usual)é um oceanógrafo (tipo Cousteau)que busca o mitíco tubarão tigre que devorou um velho companheiro,para buscar tal criatura o marujo conta com a ajuda de uma equipe de tipos únicos (é impagável o papel de Willem Dafoe um alemão extremamente emotivo) e com a presença de um filho a muito rejeitado.
Wes Anderson mais uma vez trabalha com o assunto recorrente em suas obras, o da paternidade, seus personagens apesar de risiveís são dotados de uma humanidade incrível,todas as relações são permeadas por aspectos psicanaliticos latentes,o grande objetivo da expedição,simbolizada pelo tubarão-tigre,é na verdade,como já foi em Hemingway em seu O Velho e o Mar, um encontro com a morte e o que isso significa para a vida. Único,lindo,comovente.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

There will never be another Dino...

Me acompanha nessa tarde morta um homem,me acompanha no fígado,na alma,no corpo baleado e fora de padrão,ele,o único e incomparável Dean Martin.
Não sei porque algumas pessoas,muitas delas já mortas e que nós nunca conhecemos,nos acompanham o dia todo,do alvorecer até a madrugada,hoje foi a vez dele ficar no meu ombro como um papagaio de pirata,velho Dino,o boêmio,o de alma charmosa e livre do Rat Pack,digam o que quiserem,ele era o melhor,ele era cool,na dele,charmoso como um felino .Ele era uma espécie de consciência entre aqueles bebuns do pacote de ratos,um tipo de aviso,tudo esta bem hoje,tudo tá tranquilo,mas a tragédia tá logo ali ó,uma mulher que vai te largar,um filho que vai morrer numa montanha maldita,não importa o quanto de grana,fama,pau na mesa você tenha fio,o destino,a vida,essa porra tá aí pra te puxar o tapete,se foder é inevitável,nego.
Dean Martin foi um rei,um regente que nunca perdeu o jeito de rir de sí mesmo,se fingia de briaco,entornava muito menos do que fez os outros crerem,brigou com o panaca esquizofrênico do Jery Lewis,ficou amigo do Sammy e do Frank,sacaneou e foi sacaneado,porém nunca perdeu aquela aura principesca,aquele flanar chic que só alguns escolhidos puderam e poderão ter,obrigado Dago(era assim que era chamado pelos rapazes)dedico a você esta humilde carta.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Nelson Rodrigues Onírico

Tive um sonho esotérico e profético.Estava num desses botequins totais com paredes de azulejo azul e torresmos hippies nas vitrinas.Tomava o cafézinho do tipo coador em copo americano tradicional,estou com as costas voltadas para a rua quando o caixa grita em solene e felicissímo êxtase:Olha o óbvio ululante aí gente!- e entra no bar Nelson Rodrigues.
Apesar de saber que Nelson não era mais do nosso mundo fui só compreensão, estava ali o ídolo dos ídolos, o velinho de paletó gasto, andando com certa dificuldade, bate no balcão e pede altivamente:Manda aí uma água, de preferência Lindóia que é água da bica!
Como um Eduardo Santanna espiríta eu não me contenho e ataco vorazmente a celebridade do além:Nelson o que faz entre os vivos nessa manhã de sabádo? Me responde o "flor de obsessão": Mortos são vocês rapaz! O mundo é um armazém de secos e molhados e a morte é o despertar do sonho dos vivos, quandos sonhamos meu caro estamos na verdade olhando o mundo dos mortos pela fechadura, assim como eu sempre vi a nudez e o sexo, como menino perene que é todo homem,além disso hoje é sábado e como diria o jardineiro da minha infância,o sábado é uma ilusão!
Decido então usar Nelson como um oráculo de Delfos do Leme: Nelson, me diga aí o futuro politíco do Brasil?-me responde o grande:O fato de eu estar morto não me faz um vidente meu caro,mas como sempre disse em vida, para ser gênio basta enxergar o óbvio!!! E avisa o Eduardo Santanna para deixar de ser transviado...-nesse momento acordo em sobressalto, ao meu lado uma revista Veja com Palocci na capa.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Viva Cauby!!!!

Escrito  em  Setembro de 2005

Assistir Cauby no Bar Brahma é uma experiência única. Tudo começa com imensa cafonice e tristeza, chegamos a esquina da Ipiranga com São João,outrora puro glamour,hoje decrépita. Mendigos defecam no meio da rua, travestis siliconados se dirigem aos seus pontos,tudo isso contrastando com a classe média que chega ao bar saltando de Voyages e Caravans Diplomata, velhas de mocotó grosso trajando vestidos de festa rubros com broches de borboleta dourados ao peito,sapatos prata,meias grossas prevenindo a ruptura de imensas varizes cor de orquídea,senhores de ternos da Garbo com perucas acaju gritam com as mulheres em linda impaciência conjugal,o cheiro de perfume velado domina o local. Somos conduzidos ao nosso lugar num canto próximo ao palco, na mesa ao lado o sofista DiGênio (xodó do Militar)pede uma picanha no "rechaud" (nova mania da classe média,como os rondellis em buffets baratos de casamento,como as tábuas de frios de outros tempos), a carne chega espalhafatosa,despejando no ambiente fechado uma densa fumaça gordurosa que impreguina os cabelos fofos de bolo das velhas de reluzentes dentaduras de égua,a impressão geral é a de um crematório. Um senhor de aproximadamente duzentos e trinta anos começa a tossir desesperadamente atrás de mim,sinto perdigotos geriátricos atingirem minha nuca, meu chope espuma como se atingido por chuva,peço outro e desejo sinceramente que o ancião morra em agônica apinéia,o tempo passa e nada do cantor "Ronald Mcdonald" chegar.Boatos correm a boca pequena,o homem anda mal de saúde dizem uns,outros reclamam,será que esse porra vai morrer logo hoje que nos deslocamos da Mooca até aqui?
De repente o bar para,todos se levantam e então surge Cauby,trajando um blazer de lantejoulas douradas,os aplausos ecoam desvairados,alguma louca grita chamando o "curinga" de lindo e então,sobre o palco a magia acontece.
Cauby é visualmente uma mistura de Little Richard com Tom Jones, a voz evoca os grandes crooners do passado,Bing Crosby,Sinatra,Bennet e claro Tom Jones, o repertório é pop da melhor qualidade, indo dos clássicos próprios como Camarim e Conceição até lendas do boa cafonice internacional como I Just Called To Say I Love You e She de Charles Aznavour.Durante o show o ambiente macabro entra em pausa, a música domina o terror anterior, como um flautista de Hamelin Peixoto conduz a todos para um passado de beleza e amor,onde as velhas ainda não possuíam as doloridas joanetes,onde os paus dos velhos subiam em direção aos céus da excitação sexual. Cauby encerra o show cantando My Way, sim o velho Cauby Peixoto fez tudo a sua maneira, se vestiu como um clown efeminado,estourou nos Estados Unidos e acabou terminando a sua carreira num bar na porta da boca do lixo,porém todos o aplaudem de pé,alguns choram,todos ali o amam,inclusive eu.Yes,he did it in his way.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Literatura de porrada!

Chuck Palahniuk é um escritor originalissímo. No Brasil é conhecido pelo middle-brow por Clube da Luta do qual escreveu o romance que originou o filme, porém sua produção literária é vasta, no país já temos uma meia dúzia de romances do rapaz editados.
O que diferencia a literatura de Chuck da massa de papel publicada atualmente, principalmente em terras estadounidenses (creiam, a quantidade de títulos é espantosa) é um certo caráter figadal, as obras de Palahniuk atingem o coração de uma sociedade medíocre que insiste em esconder suas pulsões sob máscaras,o escritor realiza istto através de personagens como o alter ego ambulante Tyler Durden de Fight Club que realiza as pulsões incofessáveis de seu corpo ou os personagens de Assombro, um grupo de escritores de horror que ao se reunirem num solar para um concurso de contos liberam todas as suas perversões num festim de orgia, sangue e canibalismo. Para Chuck o homem é um animal sempre acuado por leis que o impedem de viver plenamente e que a qualquer oportunidade essas feras se libertam com consequências desastrosas para elas mesmas e para os outros, é uma espécie de bio-anarquismo, os instintos no final sempre vencem.